Acampamento no pico Tucum: o que a montanha tem a ensinar

Sofia Hohmann
6 min readFeb 13, 2021

No yoga, a posição da montanha representa solidez, representa sofrer as alterações em silêncio, como diria minha mestre Pri

Pico Tucum, 5h30 da manhã

Acordei pensando que estaríamos envoltos no nevoeiro do dia anterior, mas abrimos a entrada da barraca e nos deparamos com o alvorecer. Vestimos nossas botas e fomos encarar o vento matinal congelante.

Nossa barraca estava de frente para o sol e para o Pico Paraná. Além do topo das montanhas ao nosso redor, tudo era um mar de nuvens abaixo de nós. Era lindo, era surreal.

A música Shake it Off — não a da Taylor Swift, e sim a da Florence + the Machine — , que ouvimos no carro durante a ida, era a trilha sonora na minha cabeça naquele momento.

Seja o divino o que for, esse tipo de visão e experiência te dá a confirmação de que ele existe, independente se o nome for Deus, Pachamama, Energia, Universo, Brahma ou qualquer outro. Ali essa força maior é quase palpável.

Uma nuvem se aproximou e inundou a nossa visão. Entre uma nuvem e outra, o sol começava a aquecer nossa pele castigada pelo frio e pelo vento. Estávamos prontos para fazer nosso café.

No dia anterior

Despertei com dor no pescoço e uma irritação persistente. Os preparativos finais para a montanha foram cheios de discussões sobre o que levar ou não. Eu estava com medo de levar muito peso morro acima.

Pegamos a BR 116 rumo a Campina Grande do Sul. Depois de uns 50 minutos, viramos à direita em uma estradinha de terra. Mais 10 minutos e chegamos na famosa Chácara do Bolinha — homenagem a um cachorro. Estacionamos o carro, pagamos a entrada de R$ 15 e mochila nas costas. Eram 10h30 da manhã.

Passando pelo portão de ferro que delimita a propriedade, começamos a adentrar a floresta. Em poucos minutos surgiu um rio na nossa direita, e a orientação é que a gente atravessasse ele quatro vezes até a bifurcação.

A trilha e os pontos de travessia eram bem marcados, não tinha como se perder — nós quase nos perdemos, mas deu tudo certo. O som da água e da natureza ao nosso redor foi acalmando meu mau humor.

As árvores eram imponentes, algumas com mais de 1 m de diâmetro. Encostei diversas vezes nessas gigantes para absorver um pouco daquela energia ancestral. Aquilo era a Mata Atlântica, tão pertinho de mim, e eu querendo viajar para tão longe.

Em uma dessas paradas para admirar uma árvore, a alça da minha mochila arrebentou. Fui inundada por uma sensação de desespero, pensando que teríamos que desistir. Mas Lucas deu um jeitinho de amarrar a alça e conseguimos prosseguir.

Enfim chegou a bifurcação, com setas para três direções indicando as diferentes montanhas a serem subidas. Rumamos para o Camapuã e para o Tucum.

Depois de mais meia hora de subida em meio a floresta, chegamos no descampado e na famosa rampa do Camapuã.

Nossa, como eu estava cansada, mal conseguia dar alguns passos e já parava para recuperar o fôlego ou tirar a mochila que castigava meus ombros. Percebi como respirar errado nos sabota e que a respiração deveria controlar nosso corpo, e não o contrário.

Em uma subida sem fim com um intervalo para o almoço no meio, chegamos ao cume do Camapuã, com vista para uma represa. Tiramos as botas para os pés respirarem, fiz algumas poses de yoga e descansamos.

Seguimos para o Tucum. Era precisa descer para subir do outro lado. Sabíamos que em algum lugar ali havia uma bica de água. No vale formado entre as duas montanhas, vislumbramos uma trilha a parte, deixamos as mochilas e seguimos ela.

Encontramos uma caverninha com água, mas era impossível alcançar ela por causa das rochas. Continuamos pela trilha e eu pisei em falso. Caí em um buraco até a altura do peito, não torci o pé nem nada, ainda bem. Lucas me tirou dali e continuamos até encontrar água. Que bênção! Bebemos à vontade e enchemos nossas garrafas.

Voltamos para as mochilas e encaramos a subida final para o Tucum. As nuvens começavam a se formar e espantar o sol. Eu que estava de top fui colocando uma camiseta de manga comprida.

Chegamos no topo depois de 5 horas da nossa partida. O clima começava a ficar inóspito, com muito vento e nevoeiro. Buscamos um lugar para montar nossa barraca e fizemos tudo o mais rápido possível, pois estava muito frio.

Entramos na barraca e dali não saímos mais. Descansamos, lemos um pouco e esquentamos nosso jantar com o fogareiro dentro da barraca. Estava esfriando cada vez mais, e tínhamos esquecido de um item essencial: o cobertor.

A noite foi difícil, tentávamos aquecer o corpo de todas as formas, principalmente os pés. Durante a noite toda a barraca ficou chacoalhando absurdamente por causa do vento. Foi incrível como as horas passaram rápido, apesar da sensação de não ter pregado o olho.

No meio da noite não me aguentei e precisei sair para fazer xixi. As nuvens abriram espaço para o céu por alguns segundos e fiquei deslumbrada. Era um mar de estrelas, que brilhavam intensas como nunca vi. Pensei “o perrengue está valendo a pena”.

Depois do nascer do sol

O café aqueceu nossos corpos e comemos algumas bolachas. As bananas do café da manhã tinham virado uma papa incomível, uma pena.

Aos poucos fomos arrumando nossas coisas para iniciar a descida. Com alguns quilos de água e comida a menos, tudo estava mais leve. E assim fomos, devagarinho.

Apesar do corpo cansado e da noite mal dormida, eu estava energizada e animada com a jornada de volta. Fazer algo que exige de você e te leva ao limite preenche você como um sopro de vida. Você se dá conta do que é capaz.

Em 2019, na Irlanda, eu fiz 92 km de bicicleta em 10 horas. Tive febres e câimbras insuportáveis de noite. No dia seguinte ainda insisti em subir uma montanha para chegar em um lago paradisíaco. No fim da minha estadia, resolvi até tatuar uma bicicleta que representasse esse dia.

Não gosto de chamar esses momentos de superação, mas são uma compreensão profunda da minha capacidade e resistência. As dores da rotina parecem bobas. Subir uma montanha diz muito sobre nós, basta estar atento para ouvir.

Voltando, depois que entramos na floresta de novo, o caminho parecia interminável. Eu estava cansada e os joelhos doíam pelo impacto da descida.

Paramos em uma das travessias pelo rio, tiramos as botas e relaxamos os pés na água gelada. Renovados, fizemos o trecho final. Quando enfim saímos da floresta e vi o portão da chácara, parecia uma linha de chegada, “uau, eu que queria desistir porque arrebentei a alça da mochila consegui”.

Chegamos no carro, vestimos chinelos, compramos uma merecida coca gelada e partimos para casa.

Foi engraçado perceber o quanto os carros com pressa e buzinando nas ruas incomodavam meus ouvidos acostumados ao silêncio da montanha.

Chegamos em casa, tomei um banho quente e tirei um cochilo gostoso. Com cobertor.

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Sofia Hohmann

Aspirante a escritora, engenheira de bioprocessos e analista de conteúdo, podcaster no Criadoras de Si, praticante de yoga e dona da bicicleta Antonia.